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UFDPar realiza levantamento de alunos Indígenas e Quilombolas
A Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar) por meio da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) realizou um levantamento através dos cadastros de matrícula, registros de cotistas, e nas bases de dados do Ministério da Educação (MEC), a fim de localizar estudantes identificados como Indígenas e Quilombolas que compõem a comunidade acadêmica da Universidade
Neste mês de Abril, a PRAE realizou uma Acolhida Institucional com os dez alunos identificados neste levantamento. No encontro, a Pró-Reitora de Assuntos Estudantis, Gilvana Pessoa de Oliveira, compartilhou os desafios enfrentados no processo de identificação e enfatizou a importância de outros discentes que possam pertencer à essas comunidades entrarem em contato com a PRAE.
Foto: Alunos de origens Indígenas. Créditos: Coordenadoria de Comunicação Institucional.
A acolhida proporcionou um momento de vivência entre os estudantes, que puderam conversar sobre suas origens, jornadas e desafios para o ingresso no Ensino Superior.
Foto: Alunos de origem Quilombola. Créditos: Coordenadoria de Comunicação Institucional.
Olivia Soraya, jovem de 30 anos, natural de uma comunidade Quilombola do interior do Maranhão e atualmente estudante de Medicina, em entrevista à Coordenadoria de Comunicação Institucional (CCI), contou sobre sua trajetória. Olivia superou inúmeras dificuldades em sua jornada educacional para alcançar um sonho que parecia distante: ingressar no curso de Medicina.
Desde sua infância, Olivia demonstrava um interesse extraordinário pelos estudos, algo incomum em sua comunidade, onde a prioridade muitas vezes recaía sobre o trabalho desde cedo para ajudar no sustento das famílias. No entanto, sua mãe, ciente das adversidades que enfrentara em sua própria infância, incentivou Olivia a buscar uma educação melhor, proporcionando-lhe liberdade para explorar seus interesses desde cedo.
Foto: Olivia Soraya, estudante de Medicina na UFDPar.
Aos 6 anos de idade, Olivia aprendeu a ler na comunidade, destacando-se como uma das primeiras crianças a dominar essa habilidade. Mais tarde, aos 12 anos, mudou-se com sua família para o município de Santa Helena - MA, enfrentando dificuldades financeiras e a ausência do pai. Aos 15 anos, engravidou, enfrentando o desafio da maternidade enquanto continuava seus estudos.
Após uma gravidez difícil e momentos de depressão, Olivia encontrou forças para persistir em seus objetivos. Mesmo diante de dificuldades financeiras e obstáculos emocionais, ela nunca abandonou seu sonho de cursar medicina. Após tentativas frustradas e mudanças de planos, incluindo um período estudando Moda em São Paulo, Olivia decidiu retomar seu objetivo inicial.
Apesar de anos afastada dos estudos para o vestibular, Olivia decidiu fazer o Enem em 2023, obtendo uma nota que lhe deu esperança. Com a reformulação da lei de cotas, que incluiu uma vaga específica para quilombolas, ela viu uma oportunidade de tornar seu sonho realidade. Após uma longa espera e incertezas, Olivia foi surpreendida ao ver seu nome na lista de aprovados para a UFDPar.
Atualmente, a estudante de Medicina enfrenta novos desafios na universidade, mas é grata pela oportunidade e pelo apoio que recebeu ao longo de sua jornada. Ela espera não apenas se tornar uma médica competente, mas também inspirar outras pessoas de comunidades quilombolas e minorias a perseguirem seus sonhos, apesar das adversidades.
Olivia aproveita para exaltar as políticas de acesso e permanência que ajudaram em sua trajetória: "É muito difícil. As pessoas, às vezes, querem pregar um discurso de que é só você querer. Mas não envolve apenas inteligência. Às vezes, são as condições que você tem. Às vezes, você não tem internet para estudar, você não tem um celular para estudar. Então, se a gente não tiver ajuda, como políticas afirmativas, bolsas de permanência, se a gente não tiver essas alavancas, a gente não consegue, a gente não vai. É muito difícil para nós, que nascemos em uma comunidade quilombola, dar esse pulo tão alto, sem ter políticas de acesso por trás."
Ítalo Robson, indígena do povo Tremembé, também enfrentou uma jornada desafiadora em direção ao ensino superior. Hoje, com sua rotina entre os corredores da UFDPar, o estudante de Economia narra sua trajetória marcada por obstáculos e superações. Ingressando por meio do Enem 2020, Ítalo alcançou seu objetivo de adentrar uma instituição federal no ano seguinte. Contudo, a pandemia introduziu novos desafios, transformando suas aulas em uma experiência remota, marcada por um isolamento que iria além do virtual.
Foto: Ítalo Robson, estudante de Economia na UFDPar.
O jovem recorda vividamente os dias iniciais na Universidade, onde, até então, se via como o único representante indígena em meio a uma multidão desconhecida. "Não existia um diálogo, eu não sabia com quem falar... Me sentia um pouco sozinho, sabe?", descreve Ítalo. Rompendo estereótipos e enfrentando o constante desafio de explicar sua identidade indígena, mesmo não se encaixando nos padrões pré-estabelecidos, Ítalo compartilha a complexidade de pertencer a uma cultura ancestral, onde a conexão com as tradições é o alicerce de sua identidade.
"Ser indígena é pertencer a uma família, é pertencer a um povo que ainda costuma fazer toda a tradição de antepassados, isso significa ser indígena. E gosto muito de saber que tem novas pessoas hoje [que se identificam como indígenas], que não é como antes. Agora, nós podemos nos reconhecer mais e não deixar que as outras pessoas tenham medo de se reconhecer como indígenas", diz Ítalo.
A transição para a vida universitária não foi apenas acadêmica, mas também financeira. A mudança para o ambiente urbano trouxe consigo a necessidade de sustentar-se e lidar com despesas antes desconhecidas. "É só você e você. E é muito desafiadora essa parte financeira", confessa o estudante.
No entanto, Ítalo encontrou suporte através de programas de assistência estudantil, como a Bolsa Trabalho (atual Bolsa Apoio Administrativo) e, posteriormente, a Bolsa Permanência, destinada à estudantes indígenas, quilombolas e em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Essas iniciativas não apenas aliviaram o fardo financeiro, mas também permitiram que Ítalo mantivesse suas raízes, retornando periodicamente à sua aldeia e fortalecendo seus laços com a comunidade.
Apesar das dificuldades, o sonho de obter um diploma continua a impulsionar Ítalo. Determinado a representar e beneficiar sua família e comunidade, ele persiste, inspirando outros a abraçarem sua identidade indígena com orgulho e coragem.
A iniciativa da UFDPar, por meio da PRAE, em localizar e acolher estudantes Indígenas e Quilombolas demonstra um compromisso genuíno com a diversidade e a inclusão. A recente Acolhida Institucional proporcionou não apenas um espaço de integração, mas também um ambiente de compartilhamento de experiências e desafios enfrentados por esses estudantes.
À medida que histórias como as de Olivia e Ítalo são conhecidas, fica evidente a importância não apenas de políticas de acesso e permanência, mas também do apoio emocional e comunitário para o sucesso desses alunos. Que essas iniciativas continuem a inspirar não apenas a comunidade acadêmica, mas também a sociedade em geral, a reconhecer e valorizar a diversidade como um componente fundamental da educação e da construção de um futuro mais justo e inclusivo.